Dos brinquedos que eu não tive
Restaram pedaços quebrados
De uma angústia que sobrevive
No meu coração solitário
Aqueles inventados nas ruas
Ruas em que vivia
Verdade nua e crua
Meus brinquedos de latinhas
Fui juntando e pensando
O que construirei?
Amassei, cortei, imaginei
Fui modelando e inventando
Era tanta coisa que eu queria
E não podia ter
Irmãos, casa e uma família
Que me desse um sentido de viver
Fiz um boneco e então
Passei a chamá-lo de meu pai
Não contive a emoção:
Dos meus braços eu não o soltaria jamais
Um boneco de latinha
Era o pai que há muito tempo
Tanta falta já fazia
Quando mamãe acabou morrendo
Levando uma metade minha
A metade de um vazio
De um pai que eu não conhecia
Perambulando pelas ruas
Eu ia sentindo saudade do que eu não tinha
Para o meu papai de metal
Dei-lhe também um coração
Parecia loucura, coisa anormal
Mas ele me enchia de proteção
Ao fechar os olhos
Ouvia chamar-me de filha
E eu suspirava cantando
O meu pai, minha vida!
Mas o tempo foi passando
E eu envelheci
Debaixo desse frio viaduto
Papai ficou mudo
E de uma coisa eu esqueci
O fim dos meus dias
Está para chegar
E agora meu Deus,
Quem do meu boneco vai cuidar!?